
Sexta-feira, 27 de março de 2009.
Sempre haverá meios de resistir à enorme pressão exercida sobre nós pela indústria crescente em torno do mercado da auto-ajuda, principalmente na literatura. E sempre será bom fazê-lo. Eles estão nas listas dos mais vendidos, nas colunas especializadas em jornais, nos programas de televisão, os "experts" desse ramo estão sempre no topo. Às vezes me pego pensando: pôxa, esses caras devem ser os mais bem-sucedidos, ricos e felizes homens do planeta...pois não é exatamente com ser assim o que eles ensinam? Não se espera de um professor de cirurgia saber extrair um apêndice? De um de matemática resolver uma inequação?
Uma boa forma, eficiente, de resistir a essa pressão, e confortar a nossa alma, tão combalida em tempos tão massacrantes, é recorrer à filosofia, à boa filosofia, a filosofia dos grandes mestres. Como Arthur Schopenhauer, filósofo alemão que viveu entre os anos de 1788 a 1860. Há um livro, denominado Aforismos para a Sabedoria de Vida (Ed. Martins Fontes, 2ª Edição, 2006) que faz parte de sua obra tardia e que entusiasticamente recomendo àqueles que, de forma saudável mas na fonte errada, buscam na fonte errada matar a sua sede (é claro que há exceções).
Dias atrás, como sempre faço, passei os olhos por alguns de seus capítulos, e foi como se recebesse uma lufada de ar fresco, de juventude, no rosto. Vou tentar repartir aqui com vocês alguns trechos que destaquei e tecer algumas impressões minhas. Se for de alguma utilidade à sua vida, ganharei o meu final de semana; se não, como disse Brás Cubas, "pago-te com um piparote, e adeus".
"O mundo no qual cada um vive depende da maneira de concebê-lo, que varia, por conseguinte, segundo a diversidade das mentes. Conforme estas, ele será pobre, insípido e trivial, ou rico, interessante e significativo".
E não é? Nós construímos o mundo que queremos para nós. Esse pode ser alegre ou triste, e não estou aqui falando de histórias (ou melhor, estórias) da carochinha. Nós podemos ser otimistas, e não sermos bobos; podemos ser realistas e não sermos chatos; podemos até nos dar o luxo de ser pessimistas e não trágicos. O que não podemos fazer, contudo, é incomodar, como nossa visão de mundo, o mundo de nossos amigos, colegas, parentes, empregados, etc. Pode ser óbvio, mas o que é óbvio não tem que ser redundante.
"Na vida também é assim: as diferenças de posição e riqueza fornecem a cada um o seu papel a ser representado, ao qual, porém, não corresponde absolutamente uma diversidade íntima de felicidade e contentamento."
Por favor, não interpretem mal o que está dito aqui e não antecipem as suas conclusões, pelo menos até lerem o texto até o seu final. Prometo que não vai doer tanto assim.
Não se trata de mais uma daquelas "sentenças-clichê" "água-com-açúcar" do tipo "dinhero-não-traz-a-felicidade". É algo, podem cre, muito, mas muito mais profundo que isso.
Ninguém aqui é bobo. Todo mundo sabe que dinheiro é bom, é muito bom, embora eu não goste nem um pouco dele. Tanto é que eu nunca o tenho perto de mim. Ele não para quieto em minha mão. Queima. Gasto. Gasto logo. Some. Voa. Escafede.
Por isso, eu jamais serei rico. Estou tranquilo e conformado em relação a isso. Eu jamais terei em mãos uma quantidade de dinheiro maior que aquela que sou capaz de gastar.
Schopenhauer quer falar em "diversidade íntima de felicidade e contentamento". O buraco é mais embaixo.
"...assim também é com o homem. Sua individualidade determina de antemão o grau de sua felicidade possível. Em especial, os limites de suas forças ntelectuais estabeleceram, de uma vez por todas, sua capacidade para os deleites elevados.
Se eles são estreitos, então todos os esforços do exterior, tudo o que os homens e a sorte fizeram por ele não podem conduzi-lo para alem do grau de contentamento e felicidade humana ordinária e meio animalesca. Ele fica dependente do deleite sensual da vida social cômoda e alegre, da sociabilidade reles e de distrações vulgares. Mesmo a educação, embora consiga alguma coisa, não pode contribuir muito, no todo, para a ampliação daquele círculo. Pois os deleites mais elevados, mais variados e mais duradouros são os espirituais; por mais que na juventude possamos nos enganar a esse respeito, eles, todavia, dependem pri€cipalmente das faculdades inatas. Portanto, a partir disso, fica claro o quanto nossa felicidade depende daquilo que somos, de nossa individualidade; enquanto, na maior parte das vezes, levamos em conta apenas a sorte, apenas aquilo que temos ou representamos. Mas a sorte pode melhorar. Além do mais, quando há riqueza interior, não se lhe pedirá muito. Em contrapartida, um simplório permanecerá sempre um simplório, um bruto obtuso, sempre um bruto obtuso até o fim, mesmo se estivesse no paraíso e cercado de huris."
(huris=segundo o Alcorão, são belas virgens que desposarão, no paraíso, os fiéis muçulmanos)
É o velho ditado: "Deus não dá asas a cobras". Quem não conhece o tipo? O cara tem grana. Às vezes, é cheio dela. Às vezes, nem tanto. Curte carros, ou anda em bons carros; curte roupas, ou anda em boas roupas; curte vinhas, ou bebe bons vinhos. Uma coisa não leva necessariamente à outra. Na maioria das vezes, nem sabe por que isso ou aquilo é bom. Sabe o que é caro ou barato.
Quem não conhece o famoso enochato? Aquele cara que senta contigo em um restaurante, passa quinze minutos olhando a carta de vinhos com a mão no queixo, franze a testa, aperta o olho uma, duas vezes, olha fixamente para um ponto infinito perdido no teto e chama o sommelier. Pede uma garrafa. Ela é aberta, a rolha lhe é entregue. Ele a examina, lhe passa, toma-a de volta, examina, cheira, e fica com ela. Coloca na bolsa da mulher. A taça lhe é entregue para a prova. Ele a levanta, examina. Inclina-a delicadamente, observa a lágrima, você já está espumando de vontade e de sede, já tomou quase todo o seu copo d'água. Ele mete o nariz na taça, experimenta o aroma, fecha os olhos, faz um semblante séri0, franze a testa. É o próprio Renato Machado, só que totalmente afetado. Algo não vai bem . Repete o processo. Você bebe mais um gole de água, a tensão aumenta. O sommelier sua. Mete o nariz na taça de novo. Ele devolve o vinho. Você pede uma coca zero.
E quem não conhece o "travelchato"? Ora, o "travelchato" está presente, hoje em dia, em todos os eventos, em todos os jantares, em todas as reuniões. É o tipo de sujeito cuja única área de interesse possível se restringe a viagem e hotéis. E, naturalmente, preço de coisas, "gadgets", eletrônicos e câmbio. O infeliz passa absolutamente a noite toda falando apenas de viagem, viagem, viagem, hotel, hotel, hotel. E vai reunião, vem evento, vai jantar, o cara ainda está falando sobre a mesma merda. E gasta. Como gasta. Não tanto quanto a paiência alheia...mas gasta!
O que acontece, então, com essa gente?
Não são pessoas ruins, não necessariamente. Às vezes, são ótimos pais, filhos, irmãos, sobrinhos, trabalhadores, etc.
Mas são pessoas extremamente tediosas. Que de repente, preocupam-se demais com as maneiras possíveis de ganhar dinheiro, e de menos em como gastá-lo. Pode ser? Pode.
O cara do vinho, talvez, escolheu aquela garrafa (fica entre nós) por causa do preço (ah, vai dizer que você não sabia que eles fazem isso?). E de repente andou fazendo um cursinho rápido de degustação, leu alguma coisa em revistas da moda naqui e acolá e voìla!!! Faz pose de baca e devolve a pôrra do vinho.
O cara do hotel de viajar. É a vida dele. E ele conhece tudo de hotel. Gosta de camas boas, de andar sem meias sobre o carpete perfumado e espesso e macio, envolvido pelo maciíssiomo monogramado, quiçá até com as letras de seu nome. Adora toda a "necessaire", as toalhas, o frigobar, alucina com tudo aquilo.
Claro que prefere Tio Sam ao Velho Mundo. Lógico que não fala inglês. Pra quê, língua de dólar é universal! O dólar fala por ele e por si. Evidente que sabe a marca da TV plana de seu apartamento, mas não sabe o nome do autor da assinatura da tela de milhões de dólares exposta no saguão do hotel, um tal de Warhol, coisa assim.
Gosta mesmo é de filet com fritas, Century 21. Não tem idéia da história da cidade em que está. Quem comanda, o governador do estado. Mas conhece os shoppings, as lojas, os brinquedos, os parques...todas as grifes, todos os parques, todos os brinquedos.
E não são felizes, ambos? Claro que são! Incomodam alguém? Relativo. Se ficassem quietinos, na deles, tiudo bem. Mas não. Falam alto (ah, um dia ainda falarei sobre isso aqui). Falam alto. E sempre te perguntam o que você vai fazer em sua própria viagem. Você suspira, inspira e esponde. E ele enciclopedicamente lhe diz: aquilo não presta.
Então, lembrando Schopenhauer: "os deleites mais elevados, mais variados e mais duradouros são os espirituais".
A nossa felicidade, assim, está que somos, e não no que temos.
Eles são felizes, mas a felicidade deles está limitada ao que eles têm.
"O fato de o subjetivo ser incomparavelmente mais essencial do que o objetivo para a nossa felicidade e nosso deleite se confirma em tudo: desde a fome, que é a melhor das cozinheiras, passando pelo ancião,nanolhar com indiferença a deusa do mancebo, até chegar ao ápice, na vida do gênio do santo. Em especial, a saúde supera tanto os bens exteriores que, em verdade, um mendigo saudável é mais feliz que um rei doente."
E aí, não é lindo?
Fico especialmente à vontade para falar deste tema, pois tenho duas filhas, uma de treze e outra de onze anos, a Maria Eduarda e a Rebecca. Duas coisas lindas, gatíssimas, descoladas, educadas, etc, etc,etc.
Estão bem melhores agora. Mas até bem pouco tempo atrás, era uma guerra fazer com que elas comessem.crever muçarela, acho asqueroso
Se formos ao MacDonald's qualquer dia desses à tarde, vai ser engraçado observar a galera comendo. Todos os sanduíches antes são abertos para inspeção. Começa-se um minucioso processo de seleção do que vai ou não ser comido. Comíveis e descartáveis. As caras de nojo são tantas que nos perguntamos: o que estamos fazendo aqui? Eles não me encheram o o dia todo para vir para cá ? Muitas vezes os últimos superam os primeiros. A felicidade deles contrasta com a nossa frustração.
O mesmo acontece em pizzarias ( me vê uma calabrezza?????? Muzzarellla para um lado ((não me faça escrever muçarela, acho asqueroso)), calabrezza para outro), em restaurantes (azeitonas, cebolas, palmitos...). Mas acontece sempre, desde que considerada uma única particularidade: apenas da classe média para cima.
E por quê? Porque a fome, escreveu Schopenhuer, há duzentos anos atrás, é a melhor cozinheira.
Estou lendo um livro muito interessante. Mais adiante comentarei. Seu nome é "Absurdistão". De um jovem autor russo, nova geração, chamado Gary Shteyngart.
É sabido que depois da queda do regime comunista, especialmente da Rússia como superpotência, houve por lá um problema seríssimo. A par de todo um grave empobrecimento de toda a população, que de uma hora para outra deixou de contar com a cumplicidade estatal, essa mesma população sofre um gravíssimo problema de identidade cultural. Sua nação foi fragamentada em diversas repúblicas e subrepúblicas.ao descrever uma cena em um
Nada mais fértil à entrada da massificante cultura norteamericana do que uma nação em crise cultural.
E Gary Shteyngart é muito feliz descrevendo uma cena em um MacDonald's na capital da hipotética República do Absurdistão: uma família inteira, seis pessoas, em torno de uma pequena mesa, dividem em pequenos pedaços iguais um hambúrguer. O país é pobre, porém rico em esturjão, famoso pelo seu maravilhoso caviar. Barato e abundante ali, mesmo aos mais miseráveis. Escorrem as sobras nas ruas.
Mas o que querem mesmo é o hambúrguer.
Do MacDonald's.
Ninguém divide ou descarta o picles.
"Um homem espiitualmente rico, na mais absoluta solidão, consegue se divertir primorosamente com seus pensamentos e fantasias, enquanto um obtuso, por mais que mude continuamente de sociedades, espetáculos, passeios e festas, não consegue afugentar o tédio que o martiriza. Um caráter bom, moderado e brando pode sentir-se satisfeito em circunstâncias adversas, enquanto um caráter cobiçoso, invejoso e mau não se contenta nem mesmo em meio a todas as riquezas."
Porque imaginem só o seguinte: lembram-se do cara dos hotéis, das viagens? Imaginem que ele esteja todo bonito, agora em Paris, ao invés de Miami, seu "habitat" natural.
Coloque também, a quarteirões de distância, um digno professor de história melhor P e H maísculos), um Professor de História, de Filosofia - sem nehum desmerecimento, pelo contrário: mas é sabido que não ganham o que merecem, Coloque-o lá, perto de nosso chato.
O primeiro irá à Torre Eiffel, à Montaigne (Vuitton, Channel, Cartier,etc,etc), Versailles; o segundo irá ao MacDonald's! - economizar uma graninha para ir ao d'Orsay no dia seguinte.
O pobre é espiritualmente rico; o rico é espiritualmente pobre.
Há uma chopperia em minha cidade que eu e a Bianca chamamos de "mais-ou-menos". O serviço é "mais-ou-menos". A comida, "mais-ou-menos". Tudo então é "mais-ou-menos"".
Mas é muito tradicional. Todo mundo da cidade vai.
Se diverte muito. Eu vou lá há muitos anos. Abro o meu jornal revista, almoço, dou gargalhada com os bebuns, tem palyboy, bebun, milionário, senador, debutante, noivo, bicheiro e cantor.
Fico por ali e a vida também.
Mas abriram uma "dellicatessen" do lado.
Seu dono teve a idéia de homenagear a "beauty people" da cidade.
Então ele caprichou: lançou umas mesas com um tampo de mármore preto, umas cadeiras de vime e espaldar alto, uma coisa meio "Plillip Stark", enfim, o máximo. Pôrra, do lado do "mais-ou-menos".
E aí que os garotos muito ricos e muito entediados gostaram do lance, claro, e começaram rapidinho a sentar ali. O dono vibrou.
De repente, eles começaram a chegar à tarde, pediram vinhon(ô...amigo!!!!!!me vê aquele de quatrocentos reais!!!!!!!!!!!), fumaram um charuto, estacionaram seus BMW's e Audi's e suas C63 (aqui a gente conhece o que fala!!!).
Ocorre que são extremamente jovens, e aquelas cadeiras, e aqueles vinhos, as camisas-pólo, os óculos Prada, os charutos, os carros, tudo isso se lhes dá um aroma tão tedioso, mas tão tedioso, que sinceramente...gostaria de ser muito pobre e gostar de ter o péssimo gosto de dançar funk.
Ai, a inveja: sempre alguém terá sempre a dizer algo sobre ela.
Eu me lembro o que me disseram.
O pior invejoso não quer ter o que você tem.
Ele não quer que você tenha o que tem.
Beijão. Na próxima, falarei sobre Beirut,tá?
Bjs.
2 comentários:
Vou colocar 4 situações:
Ateu ou agnóstico?
Outra que minha irmã sempre fala: Otimista sempre, positiva e bem humorada.Não reclame nunca o universo conspira a favor!
Enfim a minha, nós somos donos de nosso destino, podemos muda-lo e só mudar de atitude em relações a outra coisa e partir para dentro, isso vale para qualquer situação.
Enfim, nós temos o poder de ao acordar definir o que queremos ser naquele dia, alegre ou triste, mesmo quando estou de mal humor eu opto pela felicidade e começo a rir de qualquer coisa, isso modifica o nosso comportamento e passamos a ter um dia legal e produtivo.
Com relação a dinheiro somos iguais, imagina só eu com R$ 50.000,00 na conta e de uma hora para outra vou embora, vamos torrar essa grana, se bem que no momento vou ter que quardar um graninha pois dei perda total no carro e não tinha seguro, juntar só para dar entrada.
Bjos e quando vier para as bandas de cá me avise.
Valeu primo...venha sempre! Beijos.
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