quarta-feira, 25 de março de 2009

Quarta-feira, 25 de março de 2009.

"É tolice cometer injustiça" - A injustiça que fazemos é bem mais difícil de suportar do que a injustiça que alguém faz conosco (não examente por razões morais, note-se bem-); o autor é sempre aquele que sofre, quando é suscetível a remorsos ou tem a percepção de que, mediante seu ato, armou a sociedade contra si e se isolou. Por isso devemos, já por conta de nossa felicidade interior, ou seja, para não sermos privados de nosso bem-estar, independentemente do que pedem a religião e a moral, tratar de não cometer injustiça, mais ainda que de não sofrer injustiça: pois nesse último caso temos o consolo da boa consciência, da esperança de vingança, de compaixão e de aplauso dos justos, até mesmo da sociedade inteira, que tem medo de quem fez o mal. - Não são poucos os que entendem do feio auto-embuste que é transmutar toda injustiça que fazem numa que lhe é feita por outra pessoa, e reservar-se o direito excepcional da legítima defesa para desculpar o que eles mesmo fizeram: para assim carregar mais facilmente o seu fardo.


Nietzche


O que acho mais apaixonante em Nietzche é a grandeza de sua lucidez, e também a sua grandeza na lucidez. A sua total ausência de fanatismo de qualquer espécie.
Aqueles que o desconhecem costumam chamá-lo pessimista. Nietzche assusta muito aqueles que possuem formação alicerçada em axiomas. Muitas vezes, incapazes de argumentar racionalmente, lançam mão do que estiver a seu alcance e passam a rotulá-lo disso ou aquilo. Mas é inegável a elegância de seu raciocínio, a beleza de sua filosofia.
Esse notável filósofo alemão sempre foi crente à vida e à razão.
Ora, por que não devemos ser injustos?
Nós não devemos ser injustos porque, assim agindo, estamos contrariando alguma lei superior? Por que seremos castigados por isso?
Não!
Nós não devemos ser injustos por um singelo motivo: é uma tremenda burrice!
Eis que, sendo injustos, abrimos em nós a possibilidade do remorso e do constrangimento de um dia nos envergonharmos terrivelmente pela injustiça que cometemos por acharmos que talvez estivéssemos levando vantagem em alguma coisa (a famosa "lei de Gérson"). Ontem mesmo, pela TV, em jornal do horário nobre, vi um patético dirigente de órgão público desmentir absolutamente tudo o que havia dito dias antes na mesma rede de TV, algo totalmente contrário.
Ele foi injusto com tanta gente! Deixou tanta gente chateada, "só para ficar bem na fita" por alguns instantes com os seus superiores, com a imprensa que o pressionava, cheio de amor pelo cargo que ocupa. Não previu que dias depois teria que desdizer tudo que disse. Não leu Nietzche.
Como diz o filósofo, ao injustiçado resta sempre os bons olhos da opinião pública, que o adora (quem não conhece os "injustiçados profissionais", "os perseguidos", sempre se lamentando por tudo?), e o conforto da boa consciência, além da saciedade provocada pela vingança que, mesmo quando não desejada, acaba ocorrendo, mais cedo ou mais tarde.
Por isso Nietzche diz que é pior cometer injustiças do que ser injustiçado.
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Ontem, então, foi a primeira publicação deste blog. Como não poderia deixar de ser quando fazemos algo para ser publicado, tudo o que escrevemos parece estar horrível. Desconhecemos os limites do que deve ou não ir ao ar.
Quando lemos depois a página, já na tela, coramos de vergonha. Creio que todos os que escrevem ou passam ou já devem ter passado por isso. Depois eles ficam sem-vergonha.
Já vi atores dizerem que não conseguem se olhar na TV, não conseguem ver os capítulos de novela (bem, isso é até compreensível).
O Graciliano Ramos, preso, ficou muito bravo com a sua família, que precisou publicar um livro seu, já acabado mas ainda não-autorizado, para se sustentar. Disse depois que o livro era uma porcaria, que se pudesse teria cortado a metade do texto. Tratava-se de Angústia, uma de suas obras-primas.
Ou seja, ninguém está satisfeito com o que faz. E se o grande Graciliano não estava com seu Angústia, o que poderá dizer esta reles titica informatizada que cá escreve, não é mesmo?
Mostrei ao meu alter-ego e ainda única seguidora, Bianca, e combinamos que esperaremos um pouco a mostrar às pessoas, até que peguemos mais o jeito.
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PEIXE DO DIA: DEERHUNTER - MICROCASTLE - EUA,2008
O Deerhunter é um quinteto californiano que poderia ser classificado, se eu estivesse a fim de classificá-lo, de "noise pop".
Mas para mim, a grande sacada, o mais bacana dessa novíssima geração de novíssimo músicos que trafegam com desembaraço entre teclados, guitarras e computadores é justamente a quase total impossibilidade de rotulá-los. Em um trabalho como o Microcastle, ouve-se sucessivamente uma deliciosa balada dos anos 70, um punk meio dark lá dos anos 80, um blues, algo meio psicodélico...é uma viagem por muitos estilos, sem a preocupação de querer definir-se em qualquer um deles, uma liberdade de criação que tem tudo a ver com a própria liberdade artística que deve premiar o talento. Que somente enriquece o trabalho. E o Deerhunter conseguiu fazer um trabalho muito rico com o seu Microcastle.
Temos em mão, antes de mais nada, algo muito gostoso de ouvir. Algo que pode servir de fundo musical quando a galera for em sua casa tomar umas, ou então algo que você põe bem alto para "viajar" por quase uma hora de muito som.
E a viagem começa com Agoraphobia, uma harmonia bem cuidada, combinada a um ritmo envolvente, tipo anos setenta. Bom para ouvir tomando um campari, usando um terno verde-limão. Emenda com um punk-sujinho pescado lá do meio dos anos 80 dealgum inferninho de Dover, Never Stop. Desce bem com um daqueles chopes enormes, pretos, tirados daqueles balcões dourados, em meio àqueles ambientes esfumaçados, loucos...
Mas já bebemos muito, então melhor relaxar, ficarmos "viajanões ao som das psicodélicas Activa, Green Jacket e Calvary Scars. Só para curtir a onda...
Depois, é só se jogar na lama no batidão Nothing Ever Hapenned, uma fortíssima linha de baixo e vocais, refrão repetitivo e grande parte instrumental...delícia de música! Então, surpreendentemente, um blues bem tirado, Saved Old Times.
These Hands dá aquela acalmada, necessária para nos preparar para o "grand finale", que vem estiloso e cheio de esquisitice em Twilight Carbon Lake. Depois é correr para o abraço.
O Deerhunter, com Microcastle, atinge a maturidade.

Um comentário:

Bi Neves disse...

Adoro "escutá-lo" lendo o que você escreve.Acho que realmente vou tomar mto gosto pela leitura através de seu blog...rsrs...
Tem conteúdo, informação, cultura, estilo,e uma pitada de humor, na medida certa.
Por que se envergonhar do que escreve? Tomara sim, que vc fique cada vez mais sem vergonha!!! rsrs...
E assim como a novíssima geração de novíssimos músicos, é vc...Trafega com desembaraço entre livros, músicas, computadores, e agora blog!! É tbm difícil, e porque não dizer: Que bom ser impossível rotulá-lo, pois defini-lo seria resumir.Mto pouco pra vc!!!
Expanda-se, diversifique, mude, invente, reinvente, crie, seja vc, e seja um a cada dia...Tá mto BOM, e se melhorar não estraga não! Fica MARA!!! rsrs...