sexta-feira, 27 de março de 2009

De Schopenhauer, com carinho.


Sexta-feira, 27 de março de 2009.



Sempre haverá meios de resistir à enorme pressão exercida sobre nós pela indústria crescente em torno do mercado da auto-ajuda, principalmente na literatura. E sempre será bom fazê-lo. Eles estão nas listas dos mais vendidos, nas colunas especializadas em jornais, nos programas de televisão, os "experts" desse ramo estão sempre no topo. Às vezes me pego pensando: pôxa, esses caras devem ser os mais bem-sucedidos, ricos e felizes homens do planeta...pois não é exatamente com ser assim o que eles ensinam? Não se espera de um professor de cirurgia saber extrair um apêndice? De um de matemática resolver uma inequação?

Uma boa forma, eficiente, de resistir a essa pressão, e confortar a nossa alma, tão combalida em tempos tão massacrantes, é recorrer à filosofia, à boa filosofia, a filosofia dos grandes mestres. Como Arthur Schopenhauer, filósofo alemão que viveu entre os anos de 1788 a 1860. Há um livro, denominado Aforismos para a Sabedoria de Vida (Ed. Martins Fontes, 2ª Edição, 2006) que faz parte de sua obra tardia e que entusiasticamente recomendo àqueles que, de forma saudável mas na fonte errada, buscam na fonte errada matar a sua sede (é claro que há exceções).

Dias atrás, como sempre faço, passei os olhos por alguns de seus capítulos, e foi como se recebesse uma lufada de ar fresco, de juventude, no rosto. Vou tentar repartir aqui com vocês alguns trechos que destaquei e tecer algumas impressões minhas. Se for de alguma utilidade à sua vida, ganharei o meu final de semana; se não, como disse Brás Cubas, "pago-te com um piparote, e adeus".

"O mundo no qual cada um vive depende da maneira de concebê-lo, que varia, por conseguinte, segundo a diversidade das mentes. Conforme estas, ele será pobre, insípido e trivial, ou rico, interessante e significativo".

E não é? Nós construímos o mundo que queremos para nós. Esse pode ser alegre ou triste, e não estou aqui falando de histórias (ou melhor, estórias) da carochinha. Nós podemos ser otimistas, e não sermos bobos; podemos ser realistas e não sermos chatos; podemos até nos dar o luxo de ser pessimistas e não trágicos. O que não podemos fazer, contudo, é incomodar, como nossa visão de mundo, o mundo de nossos amigos, colegas, parentes, empregados, etc. Pode ser óbvio, mas o que é óbvio não tem que ser redundante.

"Na vida também é assim: as diferenças de posição e riqueza fornecem a cada um o seu papel a ser representado, ao qual, porém, não corresponde absolutamente uma diversidade íntima de felicidade e contentamento."

Por favor, não interpretem mal o que está dito aqui e não antecipem as suas conclusões, pelo menos até lerem o texto até o seu final. Prometo que não vai doer tanto assim.

Não se trata de mais uma daquelas "sentenças-clichê" "água-com-açúcar" do tipo "dinhero-não-traz-a-felicidade". É algo, podem cre, muito, mas muito mais profundo que isso.

Ninguém aqui é bobo. Todo mundo sabe que dinheiro é bom, é muito bom, embora eu não goste nem um pouco dele. Tanto é que eu nunca o tenho perto de mim. Ele não para quieto em minha mão. Queima. Gasto. Gasto logo. Some. Voa. Escafede.

Por isso, eu jamais serei rico. Estou tranquilo e conformado em relação a isso. Eu jamais terei em mãos uma quantidade de dinheiro maior que aquela que sou capaz de gastar.

Schopenhauer quer falar em "diversidade íntima de felicidade e contentamento". O buraco é mais embaixo.

"...assim também é com o homem. Sua individualidade determina de antemão o grau de sua felicidade possível. Em especial, os limites de suas forças ntelectuais estabeleceram, de uma vez por todas, sua capacidade para os deleites elevados.

Se eles são estreitos, então todos os esforços do exterior, tudo o que os homens e a sorte fizeram por ele não podem conduzi-lo para alem do grau de contentamento e felicidade humana ordinária e meio animalesca. Ele fica dependente do deleite sensual da vida social cômoda e alegre, da sociabilidade reles e de distrações vulgares. Mesmo a educação, embora consiga alguma coisa, não pode contribuir muito, no todo, para a ampliação daquele círculo. Pois os deleites mais elevados, mais variados e mais duradouros são os espirituais; por mais que na juventude possamos nos enganar a esse respeito, eles, todavia, dependem pri€cipalmente das faculdades inatas. Portanto, a partir disso, fica claro o quanto nossa felicidade depende daquilo que somos, de nossa individualidade; enquanto, na maior parte das vezes, levamos em conta apenas a sorte, apenas aquilo que temos ou representamos. Mas a sorte pode melhorar. Além do mais, quando há riqueza interior, não se lhe pedirá muito. Em contrapartida, um simplório permanecerá sempre um simplório, um bruto obtuso, sempre um bruto obtuso até o fim, mesmo se estivesse no paraíso e cercado de huris."

(huris=segundo o Alcorão, são belas virgens que desposarão, no paraíso, os fiéis muçulmanos)

É o velho ditado: "Deus não dá asas a cobras". Quem não conhece o tipo? O cara tem grana. Às vezes, é cheio dela. Às vezes, nem tanto. Curte carros, ou anda em bons carros; curte roupas, ou anda em boas roupas; curte vinhas, ou bebe bons vinhos. Uma coisa não leva necessariamente à outra. Na maioria das vezes, nem sabe por que isso ou aquilo é bom. Sabe o que é caro ou barato.

Quem não conhece o famoso enochato? Aquele cara que senta contigo em um restaurante, passa quinze minutos olhando a carta de vinhos com a mão no queixo, franze a testa, aperta o olho uma, duas vezes, olha fixamente para um ponto infinito perdido no teto e chama o sommelier. Pede uma garrafa. Ela é aberta, a rolha lhe é entregue. Ele a examina, lhe passa, toma-a de volta, examina, cheira, e fica com ela. Coloca na bolsa da mulher. A taça lhe é entregue para a prova. Ele a levanta, examina. Inclina-a delicadamente, observa a lágrima, você já está espumando de vontade e de sede, já tomou quase todo o seu copo d'água. Ele mete o nariz na taça, experimenta o aroma, fecha os olhos, faz um semblante séri0, franze a testa. É o próprio Renato Machado, só que totalmente afetado. Algo não vai bem . Repete o processo. Você bebe mais um gole de água, a tensão aumenta. O sommelier sua. Mete o nariz na taça de novo. Ele devolve o vinho. Você pede uma coca zero.

E quem não conhece o "travelchato"? Ora, o "travelchato" está presente, hoje em dia, em todos os eventos, em todos os jantares, em todas as reuniões. É o tipo de sujeito cuja única área de interesse possível se restringe a viagem e hotéis. E, naturalmente, preço de coisas, "gadgets", eletrônicos e câmbio. O infeliz passa absolutamente a noite toda falando apenas de viagem, viagem, viagem, hotel, hotel, hotel. E vai reunião, vem evento, vai jantar, o cara ainda está falando sobre a mesma merda. E gasta. Como gasta. Não tanto quanto a paiência alheia...mas gasta!

O que acontece, então, com essa gente?

Não são pessoas ruins, não necessariamente. Às vezes, são ótimos pais, filhos, irmãos, sobrinhos, trabalhadores, etc.

Mas são pessoas extremamente tediosas. Que de repente, preocupam-se demais com as maneiras possíveis de ganhar dinheiro, e de menos em como gastá-lo. Pode ser? Pode.

O cara do vinho, talvez, escolheu aquela garrafa (fica entre nós) por causa do preço (ah, vai dizer que você não sabia que eles fazem isso?). E de repente andou fazendo um cursinho rápido de degustação, leu alguma coisa em revistas da moda naqui e acolá e voìla!!! Faz pose de baca e devolve a pôrra do vinho.

O cara do hotel de viajar. É a vida dele. E ele conhece tudo de hotel. Gosta de camas boas, de andar sem meias sobre o carpete perfumado e espesso e macio, envolvido pelo maciíssiomo monogramado, quiçá até com as letras de seu nome. Adora toda a "necessaire", as toalhas, o frigobar, alucina com tudo aquilo.

Claro que prefere Tio Sam ao Velho Mundo. Lógico que não fala inglês. Pra quê, língua de dólar é universal! O dólar fala por ele e por si. Evidente que sabe a marca da TV plana de seu apartamento, mas não sabe o nome do autor da assinatura da tela de milhões de dólares exposta no saguão do hotel, um tal de Warhol, coisa assim.

Gosta mesmo é de filet com fritas, Century 21. Não tem idéia da história da cidade em que está. Quem comanda, o governador do estado. Mas conhece os shoppings, as lojas, os brinquedos, os parques...todas as grifes, todos os parques, todos os brinquedos.

E não são felizes, ambos? Claro que são! Incomodam alguém? Relativo. Se ficassem quietinos, na deles, tiudo bem. Mas não. Falam alto (ah, um dia ainda falarei sobre isso aqui). Falam alto. E sempre te perguntam o que você vai fazer em sua própria viagem. Você suspira, inspira e esponde. E ele enciclopedicamente lhe diz: aquilo não presta.

Então, lembrando Schopenhauer: "os deleites mais elevados, mais variados e mais duradouros são os espirituais".

A nossa felicidade, assim, está que somos, e não no que temos.

Eles são felizes, mas a felicidade deles está limitada ao que eles têm.


"O fato de o subjetivo ser incomparavelmente mais essencial do que o objetivo para a nossa felicidade e nosso deleite se confirma em tudo: desde a fome, que é a melhor das cozinheiras, passando pelo ancião,nanolhar com indiferença a deusa do mancebo, até chegar ao ápice, na vida do gênio do santo. Em especial, a saúde supera tanto os bens exteriores que, em verdade, um mendigo saudável é mais feliz que um rei doente."

E aí, não é lindo?

Fico especialmente à vontade para falar deste tema, pois tenho duas filhas, uma de treze e outra de onze anos, a Maria Eduarda e a Rebecca. Duas coisas lindas, gatíssimas, descoladas, educadas, etc, etc,etc.

Estão bem melhores agora. Mas até bem pouco tempo atrás, era uma guerra fazer com que elas comessem.crever muçarela, acho asqueroso

Se formos ao MacDonald's qualquer dia desses à tarde, vai ser engraçado observar a galera comendo. Todos os sanduíches antes são abertos para inspeção. Começa-se um minucioso processo de seleção do que vai ou não ser comido. Comíveis e descartáveis. As caras de nojo são tantas que nos perguntamos: o que estamos fazendo aqui? Eles não me encheram o o dia todo para vir para cá ? Muitas vezes os últimos superam os primeiros. A felicidade deles contrasta com a nossa frustração.

O mesmo acontece em pizzarias ( me vê uma calabrezza?????? Muzzarellla para um lado ((não me faça escrever muçarela, acho asqueroso)), calabrezza para outro), em restaurantes (azeitonas, cebolas, palmitos...). Mas acontece sempre, desde que considerada uma única particularidade: apenas da classe média para cima.

E por quê? Porque a fome, escreveu Schopenhuer, há duzentos anos atrás, é a melhor cozinheira.

Estou lendo um livro muito interessante. Mais adiante comentarei. Seu nome é "Absurdistão". De um jovem autor russo, nova geração, chamado Gary Shteyngart.

É sabido que depois da queda do regime comunista, especialmente da Rússia como superpotência, houve por lá um problema seríssimo. A par de todo um grave empobrecimento de toda a população, que de uma hora para outra deixou de contar com a cumplicidade estatal, essa mesma população sofre um gravíssimo problema de identidade cultural. Sua nação foi fragamentada em diversas repúblicas e subrepúblicas.ao descrever uma cena em um

Nada mais fértil à entrada da massificante cultura norteamericana do que uma nação em crise cultural.

E Gary Shteyngart é muito feliz descrevendo uma cena em um MacDonald's na capital da hipotética República do Absurdistão: uma família inteira, seis pessoas, em torno de uma pequena mesa, dividem em pequenos pedaços iguais um hambúrguer. O país é pobre, porém rico em esturjão, famoso pelo seu maravilhoso caviar. Barato e abundante ali, mesmo aos mais miseráveis. Escorrem as sobras nas ruas.

Mas o que querem mesmo é o hambúrguer.

Do MacDonald's.

Ninguém divide ou descarta o picles.

"Um homem espiitualmente rico, na mais absoluta solidão, consegue se divertir primorosamente com seus pensamentos e fantasias, enquanto um obtuso, por mais que mude continuamente de sociedades, espetáculos, passeios e festas, não consegue afugentar o tédio que o martiriza. Um caráter bom, moderado e brando pode sentir-se satisfeito em circunstâncias adversas, enquanto um caráter cobiçoso, invejoso e mau não se contenta nem mesmo em meio a todas as riquezas."

Porque imaginem só o seguinte: lembram-se do cara dos hotéis, das viagens? Imaginem que ele esteja todo bonito, agora em Paris, ao invés de Miami, seu "habitat" natural.

Coloque também, a quarteirões de distância, um digno professor de história melhor P e H maísculos), um Professor de História, de Filosofia - sem nehum desmerecimento, pelo contrário: mas é sabido que não ganham o que merecem, Coloque-o lá, perto de nosso chato.

O primeiro irá à Torre Eiffel, à Montaigne (Vuitton, Channel, Cartier,etc,etc), Versailles; o segundo irá ao MacDonald's! - economizar uma graninha para ir ao d'Orsay no dia seguinte.

O pobre é espiritualmente rico; o rico é espiritualmente pobre.

Há uma chopperia em minha cidade que eu e a Bianca chamamos de "mais-ou-menos". O serviço é "mais-ou-menos". A comida, "mais-ou-menos". Tudo então é "mais-ou-menos"".

Mas é muito tradicional. Todo mundo da cidade vai.

Se diverte muito. Eu vou lá há muitos anos. Abro o meu jornal revista, almoço, dou gargalhada com os bebuns, tem palyboy, bebun, milionário, senador, debutante, noivo, bicheiro e cantor.

Fico por ali e a vida também.

Mas abriram uma "dellicatessen" do lado.

Seu dono teve a idéia de homenagear a "beauty people" da cidade.

Então ele caprichou: lançou umas mesas com um tampo de mármore preto, umas cadeiras de vime e espaldar alto, uma coisa meio "Plillip Stark", enfim, o máximo. Pôrra, do lado do "mais-ou-menos".

E aí que os garotos muito ricos e muito entediados gostaram do lance, claro, e começaram rapidinho a sentar ali. O dono vibrou.

De repente, eles começaram a chegar à tarde, pediram vinhon(ô...amigo!!!!!!me vê aquele de quatrocentos reais!!!!!!!!!!!), fumaram um charuto, estacionaram seus BMW's e Audi's e suas C63 (aqui a gente conhece o que fala!!!).

Ocorre que são extremamente jovens, e aquelas cadeiras, e aqueles vinhos, as camisas-pólo, os óculos Prada, os charutos, os carros, tudo isso se lhes dá um aroma tão tedioso, mas tão tedioso, que sinceramente...gostaria de ser muito pobre e gostar de ter o péssimo gosto de dançar funk.

Ai, a inveja: sempre alguém terá sempre a dizer algo sobre ela.

Eu me lembro o que me disseram.

O pior invejoso não quer ter o que você tem.

Ele não quer que você tenha o que tem.

Beijão. Na próxima, falarei sobre Beirut,tá?

Bjs.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Quarta-feira, 25 de março de 2009.

"É tolice cometer injustiça" - A injustiça que fazemos é bem mais difícil de suportar do que a injustiça que alguém faz conosco (não examente por razões morais, note-se bem-); o autor é sempre aquele que sofre, quando é suscetível a remorsos ou tem a percepção de que, mediante seu ato, armou a sociedade contra si e se isolou. Por isso devemos, já por conta de nossa felicidade interior, ou seja, para não sermos privados de nosso bem-estar, independentemente do que pedem a religião e a moral, tratar de não cometer injustiça, mais ainda que de não sofrer injustiça: pois nesse último caso temos o consolo da boa consciência, da esperança de vingança, de compaixão e de aplauso dos justos, até mesmo da sociedade inteira, que tem medo de quem fez o mal. - Não são poucos os que entendem do feio auto-embuste que é transmutar toda injustiça que fazem numa que lhe é feita por outra pessoa, e reservar-se o direito excepcional da legítima defesa para desculpar o que eles mesmo fizeram: para assim carregar mais facilmente o seu fardo.


Nietzche


O que acho mais apaixonante em Nietzche é a grandeza de sua lucidez, e também a sua grandeza na lucidez. A sua total ausência de fanatismo de qualquer espécie.
Aqueles que o desconhecem costumam chamá-lo pessimista. Nietzche assusta muito aqueles que possuem formação alicerçada em axiomas. Muitas vezes, incapazes de argumentar racionalmente, lançam mão do que estiver a seu alcance e passam a rotulá-lo disso ou aquilo. Mas é inegável a elegância de seu raciocínio, a beleza de sua filosofia.
Esse notável filósofo alemão sempre foi crente à vida e à razão.
Ora, por que não devemos ser injustos?
Nós não devemos ser injustos porque, assim agindo, estamos contrariando alguma lei superior? Por que seremos castigados por isso?
Não!
Nós não devemos ser injustos por um singelo motivo: é uma tremenda burrice!
Eis que, sendo injustos, abrimos em nós a possibilidade do remorso e do constrangimento de um dia nos envergonharmos terrivelmente pela injustiça que cometemos por acharmos que talvez estivéssemos levando vantagem em alguma coisa (a famosa "lei de Gérson"). Ontem mesmo, pela TV, em jornal do horário nobre, vi um patético dirigente de órgão público desmentir absolutamente tudo o que havia dito dias antes na mesma rede de TV, algo totalmente contrário.
Ele foi injusto com tanta gente! Deixou tanta gente chateada, "só para ficar bem na fita" por alguns instantes com os seus superiores, com a imprensa que o pressionava, cheio de amor pelo cargo que ocupa. Não previu que dias depois teria que desdizer tudo que disse. Não leu Nietzche.
Como diz o filósofo, ao injustiçado resta sempre os bons olhos da opinião pública, que o adora (quem não conhece os "injustiçados profissionais", "os perseguidos", sempre se lamentando por tudo?), e o conforto da boa consciência, além da saciedade provocada pela vingança que, mesmo quando não desejada, acaba ocorrendo, mais cedo ou mais tarde.
Por isso Nietzche diz que é pior cometer injustiças do que ser injustiçado.
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Ontem, então, foi a primeira publicação deste blog. Como não poderia deixar de ser quando fazemos algo para ser publicado, tudo o que escrevemos parece estar horrível. Desconhecemos os limites do que deve ou não ir ao ar.
Quando lemos depois a página, já na tela, coramos de vergonha. Creio que todos os que escrevem ou passam ou já devem ter passado por isso. Depois eles ficam sem-vergonha.
Já vi atores dizerem que não conseguem se olhar na TV, não conseguem ver os capítulos de novela (bem, isso é até compreensível).
O Graciliano Ramos, preso, ficou muito bravo com a sua família, que precisou publicar um livro seu, já acabado mas ainda não-autorizado, para se sustentar. Disse depois que o livro era uma porcaria, que se pudesse teria cortado a metade do texto. Tratava-se de Angústia, uma de suas obras-primas.
Ou seja, ninguém está satisfeito com o que faz. E se o grande Graciliano não estava com seu Angústia, o que poderá dizer esta reles titica informatizada que cá escreve, não é mesmo?
Mostrei ao meu alter-ego e ainda única seguidora, Bianca, e combinamos que esperaremos um pouco a mostrar às pessoas, até que peguemos mais o jeito.
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PEIXE DO DIA: DEERHUNTER - MICROCASTLE - EUA,2008
O Deerhunter é um quinteto californiano que poderia ser classificado, se eu estivesse a fim de classificá-lo, de "noise pop".
Mas para mim, a grande sacada, o mais bacana dessa novíssima geração de novíssimo músicos que trafegam com desembaraço entre teclados, guitarras e computadores é justamente a quase total impossibilidade de rotulá-los. Em um trabalho como o Microcastle, ouve-se sucessivamente uma deliciosa balada dos anos 70, um punk meio dark lá dos anos 80, um blues, algo meio psicodélico...é uma viagem por muitos estilos, sem a preocupação de querer definir-se em qualquer um deles, uma liberdade de criação que tem tudo a ver com a própria liberdade artística que deve premiar o talento. Que somente enriquece o trabalho. E o Deerhunter conseguiu fazer um trabalho muito rico com o seu Microcastle.
Temos em mão, antes de mais nada, algo muito gostoso de ouvir. Algo que pode servir de fundo musical quando a galera for em sua casa tomar umas, ou então algo que você põe bem alto para "viajar" por quase uma hora de muito som.
E a viagem começa com Agoraphobia, uma harmonia bem cuidada, combinada a um ritmo envolvente, tipo anos setenta. Bom para ouvir tomando um campari, usando um terno verde-limão. Emenda com um punk-sujinho pescado lá do meio dos anos 80 dealgum inferninho de Dover, Never Stop. Desce bem com um daqueles chopes enormes, pretos, tirados daqueles balcões dourados, em meio àqueles ambientes esfumaçados, loucos...
Mas já bebemos muito, então melhor relaxar, ficarmos "viajanões ao som das psicodélicas Activa, Green Jacket e Calvary Scars. Só para curtir a onda...
Depois, é só se jogar na lama no batidão Nothing Ever Hapenned, uma fortíssima linha de baixo e vocais, refrão repetitivo e grande parte instrumental...delícia de música! Então, surpreendentemente, um blues bem tirado, Saved Old Times.
These Hands dá aquela acalmada, necessária para nos preparar para o "grand finale", que vem estiloso e cheio de esquisitice em Twilight Carbon Lake. Depois é correr para o abraço.
O Deerhunter, com Microcastle, atinge a maturidade.

terça-feira, 24 de março de 2009

Terça-Feira, 23 de março de 2009.

"Como poeta, acho melhor não dizer nada.
Num tempo assim, porque não temos a virtude
De corrigir atos governamentais
Já se intromete em muita coisa que agrada
A uma garota na indolente juventude
Ou a um velhinho em suas noites hibernais"
W.B.Yeats.
Descubro-me, recentemente, trabalhando em um lugar desprovido de conteúdo.
Ao menos, foi essa a justificativa açodada que foi oferecida pela direção da Casa ao extinguir o setor em que trabalho. Reformulo: essa foi a oferenda açodada para justificar os atos da direçao da Casa, ao extinguir o trabalho do setor, por pressão da imprensa. Reformulo: essa foi a direção dos trabalhos extintos pela açodada imprensa do setor da direção da oferecida Casa. Ah, deixa para lá.
Repito a minha humilde posição: não tenho absolutamente nada contra a apuração dos fatos, muito antes pelo contrário. Racionalização da administração pública, moralização dos atos administrativos, combate à malversação dos gastos dos recursos públicos, tudo isso é extremamente bem-vindo e necessário. Mas não considero razoável o atabalhoamento, a irresponsabilidade da acusação precipitada, melhor, da condenação precipitada; não considero legítima a injustiça que se faz em obediência ao medo, em subserviência à pressão. Não, naõ se corrigem erros cometendo outros muito piores. Não é assim que se faz.
Aqueles cujos nomes são execrados em público, aqueles que publicamente pela imprensa são exonerados, dificilmente terão a oportunidade e o mesmo espaço para repararem o estrago que promovem em suas biografias. Isso é injusto. Isso é covarde.
A contrapartida ao aplauso fácil que hoje recebem os executores das medidas rápidas está na consciência e na tristeza dos colegas. É impossível não sentí-las.
Não quero falar em ajuste de contas, como espetacularmente especulam por aí. Isso é baixo, é mesquinho, é do tamanho de quem incita tudo isso. Não.
Prefiro que esse ajuste se verifique em nível de travesseiro. Esse é implacável. Nenhuma vaidade é maior que o repúdio do travesseiro.
Vejo o meu chefe ir trabalhar com uma expressão sereníssima no rosto. Se guarda ressentimentos, guarda-os só para si, não os revela. Evangélico, segue os ensinamentos de seu Cristo, oferece a outra face, exerce a humildade. Dizem ser essa a fé que faz bem. Deve ser. Eu estaria me roendo por dentro.
De repente, o trabalho que ele faz todos os dias com dignidade já não tem mais conteúdo. Estás bem. Ah, já falei demais sobre isso.
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O caderno começa hoje, e talvez o blog também. Estou meio confuso sobre o que será posto aqui e ali, com o tempo acho que resolvo. Não só isso, mas tipo, formato, assunto, etc. Tudo está para ser resolvido, o será na prática, no dia-a-dia, se houver dia-a-dia, se eu não me aborrecer com isso. Difícil ser um ponto.com.
Só espero que, com medo do caráter público do blog, eu deixe de ser intimista em meu caderno, o que provavelmente me estragaria os dois.
O problema é que há de se perder um pouco a vergonha na cara para se manter um blog, afinal ninguém se interessa em ler algo pudico, algo organizadinho, planejadinho. O que queremos ver em um blog, me parece, é algo parecido com a inconfdência, um quase-diário.
Meu medo maior é de me acumular e me atolar de tanto por fazer, acabando por não fazer nada ou por não fazer nada direito. Quem viver, verá.
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Apresento-vos desde logo a minha secretária. Melhor, em tempos pomposos, a minha Diretora de Abastecimento, Manutenção, Execução Nutricional e Apoio Veterinário. Uberlândia, que desde ontem voltou ao batente, muito a contragosto (o marido de Uberlândia não gosta que ela trabalhe, típico baluarte chauvinista latino-americano, é meu braço direito, lugar-tenente e cuida de Bandit e Lisavieta e da desordem da casa.
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Paixão do dia:
Nessa velocidade louca da informação, as paixões musicais não podem ser mesmo fiéis, elas podem e devem ser volúveis, fervorosas, absurdas e cheias de tesão. Prometo tentar renová-las o máximo possível aqui. Naturalmente, não lhes direi onde buscá-las (tem graça ensinar pirataria, se virem), mas tentarei ser o mais completo possível, hehehe.
Então, tenho tido verdadeiros orgasmos musicais ouvindo IAIN ARCHER, alemão introspectivo, meio enrustido e não-emo, cujo último álbum, "To the Pine Roots", deve ser muito bom, mas ainda não tive acesso. Porém, o seu "Flood the Tanks", de 2004, lembra muito o trabalho do Snow Patrow. Uma maravilha, vale a pena conferir. Principalmente as faixas "Running in Dreams", "A Few Conclusions" e a melhor delas, em minha opinião, "Boy, boy, boy".
Fica aí a dica!

segunda-feira, 23 de março de 2009

Só para começar...

Estou apenas testando, só para ver como está...