terça-feira, 21 de julho de 2009

A AMIGA DA EMPREGADA


Ei-la!
Feminina pulsação da liberdade.
Um olhar dentro
dos olhos do futuro.
Lá onde não mais existe
o imaginário
peso da
culpa original.

Nem bela

Nem adormecida
Corre nos campos
Grita nas praças
Luta nas fábricas

Ei-la,
desfazendo mitos e lendas.
Nem tão branca
Nem tão neve.
Sem maçãs a dar
Nem a receber.

Ei-la!
Nos encontros
Nas conversas
Nas alcovas,

Ei-la, afinal.
Um jeito livre de ser.
Orgástica,
luminosa,

natural:
eis a nova mulher,
a mirar-se em outro espelho!

Eurico.

(http://eulirecoeu.blogspot.com)



Sou...
Sou uma nuvem negra no céu
Prestes a chover
Sou a letra triste no papel
Que o poeta começou a escrever.

Sou a mulher branca, negra, mulata,
Sou a loura, a morena e a parda.
Sou a mulher magra e a alta.
Sou a mulher pequena e a gorda.

Sou enfermeira
E psicóloga
Sou professora
Sou sexóloga.

Sou a dona de casa e chefe também.
Sou doméstica no meu lar.
Sou guia espiritual que diz amém
Sou eu mesma quem guia meu caminhar.

Sou do Norte e do Nordeste
Represento a mulher brasileira
Sou do Sul, Sudeste, Centro-Oeste;
Sou do Brasil, mas não discrimino a estrangeira.

Sou a tristeza e a alegria
Sou o riso, o choro, a amizade.
Sou a melancolia e a euforia
Sou o abraço da saudade.

Sou a mulher labareda
Onde o fogo foi meu algoz
Sou a vitória e sou a perda
Sou a nascente de um rio e sou a foz.

Sou Joana Darc não tenho medo
Sou a chegada e sou a saída
Sou o calor dos ágeis dedos
Da poetisa que me deu a vida.

JOANA DARC BRASIL




"O dinheiro nunca significou muito para mim, mas a independência (conseguida com ele), muito."

"Vista-se mal e notarão o vestido. Vista-se bem e notarão a mulher."

"A natureza lhe dá o rosto que você tem aos 20. A vida talha o rosto que você tem aos 30. Mas depende de você merecer o rosto dos 50."

"O conforto possui formas. O amor cores. Uma saia é feita para se cruzar as pernas e uma manga para se cruzar os braços."

"Uma mulher precisa de apenas duas coisas na vida: um vestido preto e um homem que a ame"

"A girl must be two things: classy and fabulous"

Coco Chanel







Elas querem é poder!

Mães assassinas, filhas de Maria
Polícias femininas, nazijudias
Gatas gatunas, kengas no cio

Esposas drogadas, tadinhas, mal pagas

Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada
Toda mulher é meio Leila Diniz

Garotas de Ipanema, minas de Minas
Loiras, morenas, messalinas
Santas sinistras, ministras malvadas
Imeldas, Evitas, Beneditas estupradas


Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada
Toda mulher é meio Leila Diniz

Paquitas de paquete, Xuxas em crise
Macacas de auditório,velhas atrizes
Patroas babacas, empregadas mandonas
Madonnas na cama, Dianas corneadas


Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada

Toda mulher é meio Leila Diniz

Socialites plebéias, rainhas decadentes

Manecas alcéias, enfermeiras doentes
Madrastas malditas, superhomem sapatas
Irmãs La Dulce beaidetificadas

Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada
Toda mul
her é meio Leila Diniz


"Ela foi uma peça fundamental na idéia de unir os vários programas sociais e de transferência de renda dos anos 90 em um único programa"

"Muitas pessoas acreditam que ela foi de fato a primeira pessoa que pensou na idéia do Bolsa Família, apesar de o programa não ter esse nome na época. Mas essa idéia de unificar os programas, criar uma economia mais equilibrada e eficiente, foi exatamente o que Lula fez quando assumiu o
governo em 2003"
"Ela foi uma primeira-dama eficiente justamente porque ela era uma acadêmica muito respeitada e podia falar com autoridade. E quando ela falava, as pessoas ouviam"
Anthony Hall, professor e cientista político da London School of Economics
"Como figura pública, ela era muito independente do marido"
David Lehmann, professor e ex-diretor do Centro de Estudos Latino Americanos da Universidade de Cambridge, na Inglaterra

A Ruth era uma pessoa muito especial, para sua família, para seus amigos, para nosso país. Um exemplo de dignidade, delicadeza, inteligência e carinho pelas pessoas. É uma dor imensa a que sinto nesse momento"
José Serra, governador de SP
"Os brasileiros ficaram sem a presença de uma mulher generosa, forte e combativa, que sempre sonhou com um país mais solidário, rico
e justo"
Sergio Guerra, presidente do PSDB
"O Brasil perdeu uma grande dama, uma grande brasileira
, que nos deixa bons exemplos na vida acadêmica, na vida universitária e na vida política. Deixa um grande exemplo em benefício do social. O Comunidade Solidária foi um percursor dessa rede de proteção social, do Bolsa Família e do Bolsa Escola"


Des yeux qui font baisser les miens
Un rire qui se perd sur sa bouche
Voilà le portrait sans retouche
De l'homme auquel j'appartiens
Quand il me prend dans ses bras
Il me parle tout bas
je vois la vie en rose
Il me dit des mots d'amour
des mots de tous le jours
Et ça m'fait quelque chose
Il est entré dans mon coeur
Une part de bonheur
Dont je connais la cause
C'est lui pour moi
Moi pour lui dans la vie
Il me l'a dit, l'a juré pour la vie
Et dès que je l'apercois
Alors je sens en moi, mon coeur qui bat
E dès que je l'apercois
Alors je sens en moi,mon coeur qui bat
la vie
La vie en rose,la vie en rose
ooooh ... la vie
La vie en rose,
Je t'aime pour toujours, mon amour

Poxa...
Tantas mulheres para serem vividas,
Tantas para serem amadas,
Algumas imaculadas
Outras defenestradas,
Muitas compenetradas

No lânguido sabor da vida
Que para elas confunde-se com
Emoções à flor da pele
A pele toda em arrepios e confusões
Mulheres...
Mulheres que mudam de safra, de forma, de textura e de cor
Mulheres que mudam de sabor
Não mudam na essência mulheres
De serem e saberem ser
Maravilhosas degustativas apetitosas
Mulheres
tesudas carnudas sem juízo
Preciso
Dizer-lhes que minha vida é só isso:
as mulheres que viveram comigo.
Kleber






MAS ENTÃO...
COM MUITO PESAR VOS DIGO
QUE TRISTE SABER
DEPOIS DE LHES DIZER
O TANTO QUE LHES AMO.
SABER, LÁ NO FINAL DA ESTRADA
QUE A EX, POBRE COITADA
É APENAS A MELHOR AMIGA
DA EMPREGADA!






quinta-feira, 16 de julho de 2009

ARREPENDA-SE PELA MANHÃ



Se espaço e tempo, como os sábios dizem,
São coisas que não podem ser,
A mosca que só vive por um dia
Viveu tanto quanto nós.
Mas que nos deixem viver enquanto ainda nós podemos,
Enquanto o amor e a vida são livres,
Pois o tempo é o tempo, e veloz se distancia,
Embora os sábios o desmintam.
As flores que te enviei quando o rocio
Estremecia sobre a vinha
Murcharam antes que a abelha voasse
Para sangrar a madressilva.
Mas que nos deixem as colher ainda
Sem lamentar sua agonia,
E embora sejam poucas as flores da vida
Deixêmo-las ao menos ser divinas.


T.S.Elliot (03.06.1907)



(Foto de Maria Helena Oliveira)



Possuo uma natureza meio caramuja. Se me enamoro, a tendência é ficar acomodado, em casa, só fazendo tudo com ela.
É certo que assim como o papai, nesses momentos me afasto dos amigos, praticamente nem os vejo. Talvez pudesse mudar isso.
Ou seja, não é comum que, namorando, eu esteja em um happy-hour com os amigos, pois que o relacionamento me absorve, só consigo viver dentro dele, tal qual o caramujo em sua casca. Não é saudável, leva-me rapidamente à exaustão.

Quanto mais tempo dura uma relação, mais ela lança as suas raízes no chão. Acontece que nem sempre o chão está preparado para receber essas raízes.
Quando se atinge uma determinada idade, a que chamamos cruelmente de maturidade, sofremos muito em nossas relações o fenômeno da superpopulação. De repente, não esta
mos aqui tratando apenas de mim e você, mas de mim, de você, de meus filhos, dos seus, a minha família ou a sua, e até agregados que vão se acoplando e parasitando em nossas vidas. O amor se torna, então, absolutamente complexo e sobrecarregado.



E aí nós temos que enfrentar uma contradição atroz: é que, com a idade, nos tornamos invariavelmente (a não ser que sejamos meio apatetados) mais amigos da reflexão, e do silêncio. Queremos usufruir um pouco da tranquilidade que custamos tanto trabalho em nossas vidas a conquistar.
Não é que não queiramos, vez em quando, o agito. É claro que queremos. Mas queremos ser senhores de nossos agitos, não escravos dos agitos dos outros. Queremos fazer o nosso próprio barulhos, nós temos o direito a isso, não queremos ter que escutar apenas o barulho d
os outros.
E é por isso que o casamento para os "solteirões" às vezes é difícil. É que eles acabam se casando com gente demais. É injusto.





E por isso, ele tende a ser resolvido em momentos de fraqueza. Vivemos sob a égide da razão, é a ela que pedimos socorro. Se pedirmos a ela aconselhamento para abandonarmos a nossa pacata e tranquila vida para nos tumultuarmos em uma relação, digamos, superpopulosa, como faremos, o que dirá a razão? É por isso que a maior companheira da decisão de casar-se mais velho não é a razão, mas a solidão.
Amor, depois de determinada circunstância, é bobagem.
Melhor pensar ser possível acontecerem coisas novas em nossas vidas. Aos 47, seria assim tão difícil? É claro que não. Daí vem o melhor sabor da vida de agora.
Melhor é continuarmos a fazer mais e mais amigos para os nossos filhos jovens (que são precisamente os filhos daqueles com os quais nos relacionamos). O que não fazemos por nossos filhos? Não é a mesma coisa, muita atenção nisso, que fazermos mais filhos com nossos amigos...
Não de
vemos, portanto, permitir que um relacionamento se desgaste. Burrice isso.
Ninguém suporta, ninguém merec
e, um relacionamento desgastado. Antes de qualquer coisa, é chato demais! Depois se torna desrespeitoso, escatológico, monossilábico, poligâmico e rancoroso.
Devemos sair de um relaciona
mento como um craque deveria sair de sua carreira no futebol: no auge. No orgasmo, no gol.
É melhor para a saúde e a paciência de todos. Até mesmo das crianças, se as há. Aliás, nos tempos hodiernos, tenho a certeza de que elas estão bem mais preparadas para lidar com separações e perdas que seus pais. Elas foram treinadas para isso.

"Quando estamos apaixonados, começamos a decepcionar a nós mesmos e terminamos decepcionando os outros. É o que as pessoas chamam de amor romântico."

Oscar Wilde

Amor
é bobagem.

*********



À noite, a minha cabeça parece somente existir para processar dificuldades, problemas. Já perceberam como tudo é desproporcionalmente maior à noite? E de olhos fechados? As dúvidas, as dívidas, os medos, as frustrações, as angústias...o silêncio da noite amplifica e reverbera o barulho que essas sensações fazem em nossa alma.
Daí poder entender melhor o que é o poder, de fato, de poder dormir em paz. Dormi
r em paz é ser recompensado pelo esforço que fazemos em nossos caminhos despertos. Faça de forma destemida o bem para a sua existência, sem prejudicar a dos outros. Terás em troca uma boa noite de sono.
Só não deixe para fazer de noite o seguinte: arrepender-se.
Arrependa-se sempre de dia, de preferência ainda pela manhã.


"O silêncio é um tumulto".
Machado de Assis


terça-feira, 7 de julho de 2009

DEVOLVA-ME


























" Trocando em miúdos, pode guardar...as sobras de tudo que chamam lar. As sombras de tudo que fomos nós, as marcas de amor em nossos lençóis! As nossas melhores lembranças...."

Chico Buarque de Hollanda

Falta de elegância, devolver o produto do amor.

É como se devolvesse o amor, ou o amor se devolvesse, ele próprio.

Presentes são mesmo devolvidos, e junto a eles são devolvidos apenas os seus preços, jamais o seu valor; até porque só os primeiros são diferentes, enquanto o segundo, porquanto em nome do amor ofertados, têm sempre o mesmíssimo caráter, o mesmíssimo...valor! Do Sonho de Valsa cantado e eternizado pela Zizi Possi ("se acaso me quiseres...), à retumbante promíscua e corrupta esmeralda de Mme Sukarno (acaso recebida, talvez até tenha sido, por amor).

Como são nascidas as sombras daquilo o que chamamos lar e quantos gritos e sussurros e devaneios e loucuras são necessários para produzir todas as manchas deixadas impunes, e agora recordadas e culpadas como marcas em nossos lençóis, indolores que ficam em muito pouco tempo, como? Nascidas da volúpia, ou do amor? O que damos em presentes? Uma roupa de volúpia, de inconsequência, ou de amor?

Ai, amor, bichinho etéreo, que nem sei que existe....

Uma bofetada! Estalada que seja a bofetada que valha a pena!

Quando um amor se acaba, um homem de valor não quer de volta os presentes que em nome amor ofertou. O que um homem quer no final do amor que viveu é receber uma bofetada, forte, dada de mão aberta e tendo por testemunhas lágrimas nos olhos de quem a desferiu, em bom som: SPLASH!

E quando o amor é devolvido, em meio a lágrimas, bofetadas e e dor, significa bem mais que o dramático montinho de embrulhos perdidos em um sofá da sala, sofá que de repente ficou tão enorme!

Gosto de Fabrício Carpinejar, que descobri há cerca de um ano, quando encontrei o seu excelente "Canalha!" numa livraria em Goiânia.

Diz ele o seguinte:

"Quem já não ouviu de alguém: "Se sair, não volte mais!". Há algo mais desolador do que espiar o quarto pela última vez?

Há algo mais demolidor do que escutar esse desabafo sem concessões, sem releitura? Essa ordem de quem nos convidou para entrar. Esse ultimato "pense agora", "répido", "depressa", como se fosse possível pensar alguma coisa aos berros.

Essa relação que era tudo o que você tinha, era tudo em que você acreditava.

Essa relação agora jugo, propriedade, demolição.

O amor que vale apena merece um sofrimento, mas não merece ser transformado em novelinha barata.

"Se sair não volte mais!" Descobrir que os adultos não brigam, eles se suportam aos poucos.

"Se sair não volte mais" Descobrir que o ódio seduz.

"Se sair não volte mais" Descobrir que a cobrança é maior que a memória.

"Se sair não volte mais" Descobrir que o desejo era vizinho ao despejo.. Ao subtrair uma letra, subtrair uma vida.

"Se sair não volte mais" Descobrir que a maçaneta está presa apenas por um prego.

"Se sair não volte mais" Descobrir que seu casaco é roupa de cama.

"Se sair não volte mais" Descobrir que despedir é desaparecer.

"Se sair não volte mais" Descobrir que o gancho do cabide servirá para desentupir o ralo.

"Se sair não volte mais" DESCOBRIR A OFENSA DENTRO DA OFERTA.
























Assim diz o poeta.

Porque o amor é quando faltam palavras.

O desespero é quando sobram palavras.

Com uma bofetada. E só. É assim que se devolve amor.

O final de um amor suporta drama, mas não merece o tédio.

Quem sabe, com um pouco de sorte, até um dramalhão, algo bem perto do ridículo.

Pois não há o ridículo no fim de um amor.

O que não suporta o fim do amor que valeu a pena é o frívolo.

É o frígido, o choco.

sábado, 27 de junho de 2009

AS ENTRADAS SERVIDAS FRIAS E A TPM










" A sociedade, pelo menos a sociedade civilizada, jamais está pronta para acreditar no que pode ser dito de negativo sobre aqueles que
são ao mesmo tempo ricos e fascinantes. Ela sente instintivamente que as boas maneiras são mais importantes que a moral e, segundo ela, a mais alta respeitabilidade tem menos valor que a posse de um bom cozinheiro. Aliás, é uma consolação bem magra, saber que aquele que nos ofereceu um jantar ruim ou um vinho de má qualidade é irrepreensível em sua vida privada. As próprias virtudes cardeais não bastam para resgatar entradas que são servidas quase frias".
Oscar Wilde

Imaginem, depois de uma semana inteira de trabalho, o cansaço acumulado e a paciência quase esgotada. Pressões no serviço, os processos acumulados, a grana curta...Você faz o possível para manter a vida em seus trilhos.

O cachorro emagrece e cai doente, com cálculo urinário, infecção de ouvido, pior e mais caro que gente (e muitas vezes, é verdade, muito melhor que gente, também, e é só por isso é cuidado) : o estresse se acumula, se avoluma.

Você precisa descansar e sabe disso. Agora não dá, vai ter que ficar para outra hora, você sabe disso. Não tem jeito. Isso te irrita muito, mas é preciso manter a cabeça fria e lidar com os problemas mantendo deles uma certa distância regulamentar em nome da eficiência em sua resolução. De mais a mais, o corre-corre dos tempos não é mesmo mais que isso: a arte de sobreviver com o mínimo possível de baixas, de perdas e de danos. As preocupações e os aborrecimentos continuarão a aparecer todos os dias, eles não te deixarão em paz, e continuarão a fazer parte de sua rotina. O modo que você lida com eles é que os tornarão menores e menos nocivos.

Nada é pior, nessa situação, nesse frágil equilíbrio protagonizado pelo cambaleante acordo entre a sua rotina e a sua atitude do que se tornar refém do mau humor.

O mau humor é a mais séria ameaça à elegância que, apesar e acima de tudo, você consegue ainda impor à sua vida, a despeito de todas as vicissitudes das quais aqui falamos. A gente se aborrece aqui, se aperta ali, engole um grito acolá, mas se segura e, fleumático, segue em frente. Afinal, como bem disse a finada Dercy (ou se não disse, passou perto disso): "Me enterrem, mas me enterrem de pé!". Ou em outras palavras: eu morro, mas não perco a pose.

Pois a elegância faz da vida uma aventura interessante, um desafio inteligente e instigante. A vida sem elegância é apenas um prenúncio da morte . Não a quero assim.

Tenho me deliciado, bem a propósito, com a leitura de o "Manual do Dândi" (Autêntica Editora Ltda, 2009), escrito há cento e cinquenta anos por Baudelaire, Bauzac e D'Aureville. O subtítulo é "A vida com estilo". Ou seja, esses honrados homens das letras, nos fins do séc XVIII e início do séc XIX já exaltavam, com muito humor, as virtudes de uma vida elegante. Algumas das máximas que eles nos apresentam são impagáveis e merecem ser destacadas:

i. o objetivo da vida civilizada ou selvagem é o repouso;
ii. o repouso absoluto produz o tédio;
iii. a vida elegante é, numa acepção ampla do termo, a arte de animar o repouso;
iv. o homem habituado ao trabalho não podem compreender a vida elegante.

v. Corolário: Para ser fashionable, é preciso desfrutar do repouso sem ter passado pelo trabalho, ou seja, acertar uma quadra na loto, ser filho de milionário, príncipe, ter uma sinecura ou acumular vantagens.

O artista é uma exceção: sua ociosidade é um trabalho e seu trabalho, um repouso: ele é, alternadamente, elegante e desleixado; veste, ao seu bel-prazer, a camisa do operário, e decide-se pelo fraque do homem da moda; não está sujeito a leis; ele as impõe.


Então, como disse e repito, o mau humor é câncer, é inimigo da elegância. Eu já nem me refiro áquele mau humor engraçado, ou coquete, meio que fake, que afinal de contas nada mais é do que apenas mais um toque de elegância disfarçado (aquela rabugice debochada daquelas mentes iluminadas, que preferem ver as mazelas mais infelizes com um sábio toque de humor. Isso é mesmo elegante!) Eu quero falar mesmo é do mau humor de fila, de balcão de aeroporto, de loja de operadora de celular. Não, esse mau humor ninguém aguenta, é o mais brega de todos, é o mais nocivo. É o mau humor que acaba com os seus dias impiedosamente sem um motivo suficientemente sério para isso, detonando com todas as suas reservas de energia, de bom senso. Gente, peloamordedeus, vamos acabar com isso!

Não custa aqui falar daquele outro tipo, daquele que a gente nem fala direito, é o mau humor vingativo. Aquele rancoroso, que nasce na personalidade e na vida de alguns como represália à pouca sorte que julgam ter. É desse tipo de sentimento que nascem outros ainda mais vis, como a cobiça, como a inveja...

Nada, aliás, é menos elegante que a inveja.



Foto Marta Gonçalves

A inveja torna qualquer obra de arte bijouteria de mau gosto, via calúnia. Seca o objeto invejado. Costumo dizer, inclusive, que a inveja se difere da cobiça no seguinte ponto: a cobiça é querer para si. A inveja não é querer o que é seu para si; é querer que você não tenha.

Esse é o mau humor que deve ser expurgado para sempre de nossas vidas, o mau humor canceroso.

MAS NÃO CUSTA TAMBÉM DAR UM JEITINHO NAQUELE OUTRO QUE EU DISSE ANTES, MENOS GRAVE, NÉ? O MAU HUMOR TIPO TPM, NÉ?. PELO MENOS PARA A FELICIDADE E JUSTIÇA PARA CONOSCO, HOMENS, CARAS AMIGAS! NÓS SÓ QUEREMOS FAZER AS SUAS VIDAS MAIS FELIZES. POUPEM-NOS NAQUELES E DAQUELES DIAS! NÃO ACABEM COM AS NOSSAS BEM HUMORADAS EXISTÊNCIAS!!!!!!!!!!!!

Um bom final de semana!



sexta-feira, 26 de junho de 2009

MUSIC AND ME

Talvez tenha sido em 1973. Eu morava ainda em Brasília e estava de mudança para o Rio de Janeiro.

Fui passar as minhas férias na casa de minha tia Celma, que morava no bairro de Santo Antônio, em Belo Horizonte. Tinha então 12 anos de idade. Ainda sinto o gosto de Guarapan, um refri que tomávamos na época e que já nem sei se existe mais em BH.

Lembro-me perfeitamente de ter comprado um LP todo verde, a foto do Michael Jackson, pretinho, lindo, novinho, com um cabelão "black-power", sentado com um violão no colo.

Aquele vinil foi minha trilha sonora naquele momento de transição entre a infância e a adolescência, instante mágico, maravilhoso, feliz!
Além da faixa-título, "Music and Me" (We've been together, for such a long time, now music...music...and me!), linda, um hit mundial, havia também "Happy", "Morning Glow" e tantas outras! Eu ouvia sem parar!

Crescíamos juntos, crescemos juntos, eu e MJ, "Jacko". Ele mais velho que eu apenas três anos.
Foi ficando cada vez mais famoso, polêmico, estranho, mas cada vez mais talentoso. Um monstro musical. Um absurdo dançante.

Jacko. Como Benjamim Button, foi adulto na infância, o que o obrigou a ser criança na maturidade.

Quis morar no parque de diversões que chamou de "Neverland", "Terra do Nunca", talvez nem tanto em homenagem ao célebre lugar do imaginário infantil, mas em lembrança àquele que ele nunca pôde, em criança, frequentar, ocupado que estava nos palcos do mundo, entretendo os adultos.

Também Mozart foi assim. Ambos gênios ceifados da infância.

Não quis, portanto, ao crescer, a companhia de velhos como ele. Preferia as crianças, até porque precisava saber como elas eram.

Começo a perceber que acontece algo interessante: a mídia, as pessoas passaram um bom tempo, toda a última parte da vida do cara chamando-o de pedófilo, colocando-o em escândalos, criticando-os por suas esquisitices. Agora, que ele está morto, a ficha caiu. Descobrem que ele também tinha talento. Talvez mais talento do que qualquer artista vivo. Não mais.

E agora querem resgatar isso. Tá, antes tarde do que nunca. Mas como é dura a vida! Mortos valemos sempre mais.

Não tenho elementos para dizer se era ou não pedófilo.

Não tenho elementos para de dizer se era ou não louco.

Não sei se queria ser branco, se renegou a raça negra.

E não tenho tampouco elementos para julgá-lo.

O falecido Artur da Távola (saudades!), que amo, dizia que "a história registra o nome das obras e dos artistas, não de seus críticos".

Está morto Michael Jackson. E também o menino que fui aos 12 anos de idade.

Viveremos para sempre juntos naquele cantinho de minhas memórias.

E ele viverá sempre nas enormes reservas de memória do mundo.

Obrigado Michael.











terça-feira, 26 de maio de 2009

Noivo tailandês morre em festa de casamento após beber muito.


"Não há nada mais útil do que ficar quieto, falando o mínimo possível com os outros e muito consigo mesmo. No ato de falar, há algo de insinuante e brando que, como a embriaguez e o amor, extrai os segredos. Ninguém conservará para si o que ouviu; ninguém revelará apenas o que ouviu. Quem não sabe calar um fato também não sabe calar o nome de quem o contou. Todo o mundo tem um amigo a quem confiar o que lhe foi confiado. Sendo assim, mesmo se ele refrear sua loquacidade e se contentar de falar a uma única pessoa, após um certo tempo, o fato passará a ser de domínio público: estará na boca de todos."

Schopenhauer





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Leio na imprensa hoje que um noivo tailandês, embriagado de felicidade por sua ventura em casar-se, resolveu embriagar-se de fato, e acabou sucumbindo à embriaguez, morrendo em seguida. Frustrante, dizia o jornal.
Na verdade, me parece que Wu, falecendo antes mesmo de receber o tratamento no hospital, viveu da forma mais emocionante e completa possível o seu matrimônio. Não tenho notícias, honestamente, de uma relação que possa ter sido tão feliz a dois. Pode-se dizer, sem dúvida, que o seu casamento foi uma festa. Enquanto durou, sua esposa sempre esteve cheirosa, chiquérrima, bem humorada e linda. Amorosa, receptiva, sempre disposta a lhe dar um olhar carinhoso ou um eterno beijo, cheio de promessas relativas ao excitante momento que viveriam a seguir.

Na saúde ou na doença, estiveram sempre juntos, e os amigos não os abandonaram.

Não houve brigas, ciúmes, apenas música, alegria, paixão.

Nunca sofreram das incertezas do amor, e das aflições da carne.

Foram sempre riquíssimos, sempre com uma viagem a fazer.

Wu soube se casar. Morreu feliz.


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Volto hoje ao blog, depois de algum tempo. A exemplo de Wu, que embriagou-se de amor, meu fiel notebook também por mim foi embriagado dia desses por um enorme copo de cerveja que eu tomava e inadvertidamente e muito desajeitadamente nele derramei. Disse-me o técnico depois, foi a sua mãe - não a mãe do leitor, evidentemente -, mas a mãe do computador, ou melhor ainda, a sua placa-mãe, que parece não era muito dada ao álcool, vindo como o tailandês a sucumbir, sem sequer receber os primeiros socorros.

Segundo o médico-técnico, a placa-mãe teria que ser substituída. Eu aquiesci, ainda que desconfiado. Afinal, mãe, ainda que placa, não se substitui. Bingo. Veio outra, sofisticadíssima e igualmente superlativa em termos de preço. Ao ser posta no comatoso paciente, houve rejeição imediata das demais placas, que se rebelaram contra a impostora, e foi decretada então a morte cerebral do meu fiel ajudante. Somente agora pude arranjar um substituto temporário, mas não à sua altura. Portanto, este blog está de luto, pela perda prematura de um de seus mais importantes colaboradores.



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Ainda que de luto, entretanto, estou muito feliz por ter aderido, finalmente à rede TWITTER. Estou me sentindo moderníssimo e me achando super-bacana. Afinal, sabendo se conectar (ou, como eles chamam, seguir) as pessoas certas, você tem à sua disposição um cabedal enorme de informações vindas de fontes extremamente interessantes, e o mais importante: você direciona essas fontes aos seus interesses. Música, literatura, astrologia, culinária, economia, está tudo lá. Anotem aí: http://twitter.com/Ze_Kleber.



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Dia desses, embriaguei-me (para não fugir do tema do dia) com um livrinho da L&M Pocket, que está fazendo um trabalho sensacional vendendo ótimos títulos a um preço bastante razoável em lugares como bancas de revistas, livrinho da Florbela Espanca (cuja fotinha está lá encima e deveria estar aqui embaixo, mas eu não sou jeitoso com isso), poeta de sensibilidade ímpar. Destaquei este poema, que encerra o post de hoje, em homenagem ao Wu e ao meu finado computador:


Inconstância

Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!
Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!
Passei a vida a amar e a esquecer...
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...
E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há-de partir também... nem eu sei quando...
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quinta-feira, 16 de abril de 2009

VIRGENS SUICIDAS



"- Ah, tudo bem...Lembre-se do provérbio árabe: "Os cães ladram e a caravana passa"





"...pois afinal, a arte não é água destilada: impressões pessoais, preconceitos e seletividade subjetiva comprometem a pureza da verdade cristalina".





-" o principal ingrediente é o talento paran registrar mentalmente longas conversas, uma habilidade que desenvolvi com muito esforço durante pesquisa para escrever "As musas são ouvidas", pois acredito piamente que tomar notas - e principalmente o uso de um gravador - gera interferências e destrói ou distorce qualquer naturalidade que pode existir entre o observador e o observado, entre o nervoso beija-flor e o seu predador potencial".





" - não há nada mais solitário do que ser aspirante a artista sem algo que lembre a uma platéia"





" Claro, esta é a principal tarefa do artista: domar e dar forma a uma visão criativa em estado bruto".





" Não sou releitor assíduo de meus próprios livros: o que está feito, está feito."





"Ocasionalmente dou um peso (de papel, cristal, coleção que fazia) a uma amigo muito especial, e ele sempre sai dos meus preferidos, pois como disse Colette naquela tarde distante, quando declarei não poder aceitar como presente algo que ela obviamente adorava: "Meu caro, não há razão para dar de presente algo que a gente não valoriza".





"Ela pertence à seita mais inapelável e rapidamente aprisionável de Nova York, os talentosos sem talento; sensíveis demais para aceitar um ambiente provinciano, embora insuficientemente sensíveis para circular no meio que tanto desejam, eles se arrastam, neuróticos, alimentando-se das sobras da vida nova-iorquina".





"Só o sucesso, e mesmo assim apenas no auge, pode trazer o alívio. Mas, para os artistas sem arte, é sempre tensão sem alívio, irritação sem perda resultante".





Truman Capote



Os Cães Ladram





São trechos do livro que leio, desde ontem, tomado pela insônia.



Engraçado, eu pensei - já sabia, claro, que se tratava de provérbio árabe -, mas eu pensei que apenas o nosso Ibrahim Sued o usasse, mas não. Truman Capote, lá pelos idos de 1950, já o adotara, talvez então antes mesmo de nosso folclórico colunista, o que não seria difícil. Ibrahim, embora descendente de árabes, talvez não tivesse como ter ciência de um provérbio pelos livros, tão distantes de sua vida tão glamorosa. Deixemos o Ibrahim descansar em paz, ele era muito divertido, eu gostava muito dele.



O fato é que ontem, ao chegar em casa do trabalho, eu comecei a ler o "Elogio da Madrasta", recém-lançado pela livro de Mario Vargas Llosa pela Editora Allfaguara, que está reeditando toda a sua obra. Trata-se de uma incursão do Nobel peruano à literatura erótica. Extremamente original, como tudo o que ele brilhantemente faz. Mas até o final da primeira parte da noite, lá pela metade do livro, que é curtinho, eu nele não me havia ainda engatado completamente. Cedo, porém, para dele fazer algum juízo. O peruano sempre surpreende.


Então suspendi a leitura, para ver "As Virgens Suicidas", filme de estréia da cineasta Sophie Copolla, com ótimas participações de James Woods e Kathleen Turner (absolutamente irreconhecível como mãe de meia-idade, desprovida de qualquer tipo de vaidade, rechonchuda).


Traz uma história quase inverossímel (e isso pode?) de tão trágica.



Família de classe média de cidade do interior dos Estados Unidos, de formação extremamente religiosa (ai, lá vou eu...) e conceitos absurdamente rígidos traz em seu seio cinco adolescentes, lindas, na flor da idade, a idade em que descobrem a sua sexualidade, as suas primeiras paixões...


A mais nova tenta o suicídio, o que faz com que os pais, assustadíssimos, "afrouxem" um pouco as suas apertadas amarras e convicções: tratam de chamar os rapazes vizinhos para uma espécie, regada a "ponche". Durante o regabofe, porém, a problemática jovem pede para se retirar mais cedo e, da forma mais bizarra possível, é bem-sucedida no seu intento de se matar.


Mas é preciso que se diga, entretanto, que esses pais não são relapsos, não são maus: são ignorantes, assim como o são todos aqueles vitimados pela horrorosa pressão exercida pela hipócrita sociedade que ainda hoje (mas o filme se passa nos anos 70, com uma ótima trilha sonora, por sinal) predomina no sul republicano dos EUA. Na verdade, esses pais amam suas filhas, e estão em pânico com a tragédia que se abateu em sua família e a culpa que se instalou em suas almas.
E mais uma vez tentam desafiar todas as suas crenças e permitem que as suas quatro filhas remanescentes, vestidas exatamente da mesma forma, acompanhem ao baile anual da escolan os quatro mais destacados rapazes da cidade, capitaneados pela sensação juvenil local, Trip, que se interessa pela não menos bela e sensualíssima Lux (Kirsten Durnst). Que acaba dormindo fora de casa!


O que naturalmente, vai mexer com todas as estruturas familiares, e levar o drama a um desfecho mais do que surpreendente.




Pode parecer exagerado, o filme. Mas o que pode ser exagerado em uma sociedade como a americana conservadora, catequizada pela ignorância da fé evangélica?


Vale a pena conferir.


Depois, então, do drama, eu passei ao homor sarcástico de Truman Capote, sobre qual, lá adiante, volto a falar.




terça-feira, 14 de abril de 2009

O CRIME DO PADRE AMARO



"Ah, não tornaria a olhar de lado, com azedume, os cavalheiros que passeavam na Alameda com as suas mulheres pelo braço! Também ele agora tinha uma, toda sua, alma e carne, que o adorava, que usava boas roupas brancas, e trazia no peito um cheirinho de água-de-colônia! Era padre, é verdade...Mas para isso tinha o seu grande argumento: é que o comportamento do padre, l
ogo que não dê escândalo entre os fiéis, em nada prejudica a eficácia, a utilidade, a grandeza da religião. Todos os teólogos ensinam que a ordem dos sacerdotes foi instituída para administrar os sacramentos; o essencial é que os homens recebam a santidade interior que os sacramentos contêm, e, contanto que eles sejam dispensados segundo as fórmulas consagradas, que importa se o sacerdote seja santo ou pecador? O sacramento comunica a mesma virtude. Não é pelos méritos do sacerdote que eles operam, mas pelos méritos de Jesus Cristo. O que é batizado ou ungido, ou seja por mãos puras ou por mãos torpes, fica igualmente bem lavado da mácula original, ou bem preparado para a vida eterna. Isso lê-se em todos santos padres, estabeleu-o o seráfico concílio de Trento. Os fiéis nada perdem, na sua alma e na sua salvação, com a indignidade do pároco. E se o pároco se arrepende na hora extrema, também se não lhe fecham as portas do céu. Logo em definitivo tudo acaba bem, e em paz geral...- E o padre Amaro, raciocinando assim, sorvia com prazer o seu café."
(...)
"...Ah! se fosse o tempo em que suprimia um homem com uma denúncia de heresia! Que o mundo recuasse duzentos anos, e o sr João Eduardo haveria de saber o que custa achincalhar um sacerdote e casar com a menina Amélia..."
(...)
"...A felicidade, padre-mestre era que a criança nascesse morta:
- Era um anjinho mais...- rosnou o cônego sorvendo a sua pitada"
(Trechos de O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz).
Há tempos venho me deliciando com a leitura desse super-clássico da literatura portuguesa, aliás, de um valor indescritível, posto ser a primeira obra do realismo em nossa língua. Eça foi fonte de inspiração para Machado, e como este foi também um gênio, um monstro com uma pena na mão. À medida em que vamos nos deixando levar pela leitura, a sensação que se tem é que viajamos no tempo, transcendemos na história, assistimos aos fatos, participamos ativamente do enredo, nos emocionamos com o drama, nos revoltamos com as picaretagens de sempre, promovidas pela Igreja Católica.
Aliás, eu ia até falar desse livro antes, mas por medo da Bianca, resolvi não fazê-lo durante a Semana Santa. Mas agora, agora eu não posso resistir.
Em toda a minha formação, digamos, anticlerical, antilitúrgica, (ou se vocês preferirem atéia, materialista, fiquem à vontade), eu procurei me cercar de bíblias, alcorões, livros de autores renomados como o Richard Dawkins, Nietzche, Christopher Hitchens, Sam Harris e outros...Não é fácil se defender , quando simplesmente ousa-se querer apenas não acreditar em nada.
Bobagem! Bastava ler Eça, tão antigo quanto atual:
"Toda a vida do bom católico, o seu pensamento, as suas idéias, os seus sentimentos, as suas palavras, o emprego dos seus dias e das suas noites, as suas relações de família e de vizinhança, os pratos do seu jantar, o seu vestuário e os seus divertimentos - tudo isso é regulado pela autoridade eclesiástica (abade, bispo ou cônego), aprovado, ou censurado, pelo confessor, aconselhado e ordenado pelo diretor da consciência. O bom católico, (...), não se pertence; não tem razão, nem vontade, nem arbítrio, nem sentir próprio; o seu cura pensa, quer, determina, sente por ele. O seu único trabalho neste mundo, que é, ao mesmo tempo, o seu único direito e o seu único dever, é aceitar esta direção; aceitá-la sem discutir; obedecer-lhe, dê por onde der; se ela contraria as suas idéias, deve pensar que as suas idéias são falsas; se ela fere as suas afeições, deve pensar que as suas afeições são culpadas."
(...)
"Meu rapaz, tu podes ter socialmente todas as virtudes; segundo a religião de nossos pais, todas as virtudes que não são católicas são inúteis e perniciosas. Ser trabalhador, casto, honrado, justo, verdadeiro, são grandes virtudes; mas para os padres e para a Igreja não contam. Se tu fores um modelo de bondade mas se não fores à missa, não jejuares, não te confessares, não te desbarretares para o senhor cura - és simplesmente um maroto. Outros personagens, maiores que tu, cuja alma foi perfeita e cuja regra de vida foi impecável, têm sido julgados verdadeiros canalhas porque não foram batizados antes de terem sido perfeitos. Há de ter ouvido falar em Sócrates, dum outro chamado Platão, Catão, etc. Foram sujeitos famosos por suas virtudes. Pois um certo Bossuet, que é o grande chavão da doutrina, disse que das virtudes desses homens estava cheio o inferno... Isso prova que a moral católica é diferente da moral natural e da moral social".

Em seu realismo absurdamente bem humorado e seco, Eça deslinda, desnuda toda a perversão e maldade do clero da época, já muito mais brando que duzentos anos antes, época do ferro e fogo da Inquisição.
No livro, toda a fúria da Igreja de uma cidade relativamente importante de Portugal recai sobre a cabeça de um rapaz que, enciumado, comete a estupidez de escrever um artigo em um jornal criticando os desmandos dos padres, entre os quais o tal do Amaro, que sob o seu nariz, seduz a sua noiva, à frente das beatas, da futura sogra, sem que ele possa fazer nada a respeito, nada!
Ah, quisera poder ler em alto e bom som a todos os beatos e beatas o Crime do Pe Amaro, de cabo a rabo!
Como defender a mesma instituição que, há tão pouco tempo, enfrentou nos EUA e em tantos outros cantos gravíssimas denúncias, mais tarde provadas, de pedofilia, a mesma Igreja que tantos matou em suas fogueiras, que fechou os seus olhos e templos ante à maldade de Hitler na Segunda Guerra Mundial, aquela que nos anos 80 provocou uma derrama no mercado financeiro mundial pelas falcatruas cometidas pelo Banco do Vaticano? O que dizer dessa Igreja que hoje condena quem usa a camisinha, quem toma a pílula anticoncepcional, que prega contra as experiências com as células-tronco, que podem vir a salvar milhões de vidas, que não quer a inseminação artificial, a fertilização "in vitro", o aborto de uma gravidez resultante de estupro? Que quer, enfim, a volta à Idade Média, às trevas, onde reinava absoluta, soberana?
"E continuava passeando tristemente pelo quarto. Realmente o nome era bem posto, tecedeira de anjos...Com razão, quem prepara uma criança com o leite do seu peito, prepara-a para os trabalhos e para as lágrimas...Mais vale tecer-lhe o pescoço e mandá-la direto para a eternidade bem-aventurada!"
"-Mas quando se manifestam no pequeno os primeiros sintomas de razão - continuava o doutor - quando se torna necessário que ele tenha, para o distinguir dos animais, uma noção de si mesmo e do universo, então entra-lhe a Igreja em casa e explica-lhe tudo! Tudo! Tão completamente, que um gaiato de seis anos que não sabe ainda o be-a-bá tem a ciência mais vasta, mais certa, que as reais academias combinadas de Londres, Paris e Berlim! O velhaco não hesita um momento para dizer como se fez o universo e os seus sistemas planetários; como apareceu na terra a criação; como se sucederam as raças, como passaram as revoluções geológicas do globo; como se formaram as línguas; como se inventou a escrita...Sabe tudo: possui completa e imutável a regra para dirigir todas as ações e formar todos os juízos; tem mesmo a certeza de todos os mistérios; ainda que seja míope como uma toupeira, vê o que se passa nas profundidades do céu e no interior do globo; conhece, como se não tivesse feito senão assistir a esse espetáculo, o que lhe há de suceder depois de morrer...Não há problema que não decida...E quando a Igreja tem feito deste marmanj0 uma tal maravilha de saber, manda-o então aprender a ler...O que eu pergunto é: para quê?"
(...)
"E com um grande gesto, mostrava-lhes o largo do Loreto, que àquela hora, no fim de tarde serena, concentrava a vida da cidade. Tipóias vazias rodavam devagar; pares de senhoras passeavam, de cuia cheia e tacão alto, com movimentos derreados, a palidez clorótica duma degeneração de raça; nalguma magra pileca, ia trotando algum moço de nome histórico, com a face ainda esverdeada da noitada de vinho; pelos bancos da praça gente estirava-se num torpor de vadiagem; um carro de bois, aos solavancos sobre as suas altas rodas, era com o símbolo de agriculturas atrasadas de séculos; fadistas gingavam, de cigarro nos dentes; algum burguês enfastiado lia nos cartazes o anúncio de operetas obsoletas; nas faces enfezadas de operários havia como a personificação de indústrias moribundas...E todo este mundo decrepto se movia lentamente, sob um céu lustroso de clima rico, entre garotos apregoando a loteria e a batota pública, e rapazitos de voz plangente oferecendo o Jornal das pequenas novidades: e iam, num vagar medraço, entre o largo onde se erguiam duas fachadas tristes de igreja, e o renque comprido das casarias da praça onde brilhavam três tabuletas de casas de penhores, negrejavam quatro entradas de taberna, e desembocavam com um tom sujo de esgoto aberto, as vielas de todo um bairro de prostituição e de crime.
Que pena, somente agora, aos quarenta e sete anos de idade, estar lendo o Pe Amaro, estar conhecendo mais a fundo Eça!
Se bem que, quem sabe, não seria necessário evoluir até aqui, para lê-lo? Assim como somente agora compreendo melhor a obra de Machado? Sim, sim, talvez seja melhor somente conhecê-los na intimidade agora, para poder sorvê-los em toda a sua sapiência, já em minha face adulta, em minha maturidade, em meu despudor. De que me adiantaria fazer deles íntimo em minha juventude, sem que as minhas idéias estivessem lapidadas, sem a paciência para pensá-los, para refletí-los, para estudá-los?
Não, melhor desfrutá-los agora, calmamente, desavergonhadamente, devagar.
O diacho, e não é a primeira vez que falo sobre isso, é que sinto cada vez mais nítida a exiguidade de tempo disponível que ainda me sobra na vida para a leitura, quando cotejado com a quantidade de bons autores que precisam ser lidos. Isso, sim, dói! Como fazer para selecioná-los, para não perder tempo, este tempo tão precioso, lendo porcarias! Ai, que aflição isso dá!
Minhas prateleiras de livros "por ler" crescem em proporção assustadoramente mais rápida que aquela "livros lidos" que parece engatinhar, encolher - e receio que tal proporção só fará piorar, visto que o amor que tenho pelos livros não se restringe apenas ao seu conteúdo, mas avança também ao objeto: sua forma, seu cheiro...Gosto de pegá-los, sentí-los, vê-los expostos...De forma que os compro, não paro de comprá-los. Impossível ainda para mim ser politicamente correto e doá-los, para que servissem a outras pessoas. Assumo meu egoísmo, não posso doá-los, não consigo. Eu os amo, e quem ama quer o objeto de seu amor perto de si. O amor é um sentimento egoísta.
Assim, enquanto Eça vai repousar em paz em uma de minhas amadas prateleiras, rapidamente me enamorarei promiscuamente por outro, que me conduzirá, por certo, a novos mundos, sensações, cóleras, angústias, aflições, alegrias e boleros.
O que perdem os que se distanciaram dos livros!!!!